A variante Ômicron do coronavírus fez explodir o número de casos de Covid-19 no Brasil neste início de 2022 em uma velocidade jamais vista no país, provocando transtornos em diversos setores da economia e forçando Estados e municípios a restabeleceram medidas de restrição na tentativa de evitar um novo colapso no sistema de saúde.
Assim como no início da pandemia em 2020, os profissionais de saúde têm sido duramente atingidos pela nova variante, que é reconhecida por seu grande poder de transmissão, ainda que com menor letalidade. Hospitais pelo país têm sofrido com o afastamento de funcionários contaminados pela doença, justamente no momento em que cresce a demanda de pacientes infectados tanto pela Covid-19 como por um surto simultâneo de influenza, exigindo mais dos médicos e enfermeiros.
“Se você não tem nenhum amigo contaminado neste momento significa que você não tem amigo”, disse César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), sobre a dimensão da disseminação da doença.
“O número de afastamentos triplicou em quatro semanas em relação ao número antes da Ômicron, mostrando como essa variante está se espalhando. A situação é preocupante, e possivelmente alguns serviços vão colapsar”, acrescentou.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu esta semana que a Ômicron traz um receio de um “novo impacto no sistema de saúde com a perspectiva de colapso e perdas de vidas”, mas ressaltou que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi fortalecido durante a pandemia e conseguirá lidar com a situação.
No entanto, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alertou para o aumento da taxa de ocupação de leitos de UTI de Covid-19 na rede pública.
“Olhando estritamente as taxas de ocupação de leitos de UTI observadas em 10 de janeiro, em confronto com a série histórica do indicador, o país voltou a ter um terço das unidades federativas e 10 capitais nas zonas de alerta intermediário e crítico. Assinala-se o alerta para o crescimento da demanda por recursos assistenciais complexos e a necessidade de acionamento dos planos de contingência, envolvendo a reabertura de leitos”, disse a Fiocruz.
Os números oficiais de casos novos de Covid-19 colocam o Brasil de volta nos patamares de julho do ano passado, mas um apagão nos dados oficiais do Ministério da Saúde desde um ataque hacker no final do ano e uma falta de testes de Covid-19 em farmácias, laboratórios e hospitais significa que há uma enorme subnotificação, de acordo com epidemiologistas.
A média de novos casos confirmados em 7 dias saltou para 52.500 nesta quinta-feira, o mesmo nível de julho, com quase 90 mil casos registrados na véspera. Em comparação, na quarta-feira da semana passada, tinham sido registrados 27.267.
No pico da pandemia, a média era de 77 mil casos em média por dia, mas a subnotificação estimada à época era de três vezes, enquanto o número de casos não identificados atualmente é muito superior, mediante a falta de capacidade de testagem e também pelo fato de a Ômicron provocar principalmente casos leves, que muitas vezes são resolvidos antes que se consiga fazer um teste.
“Estamos completamente sem dados confiáveis”, disse Alexandre Naime Barbosa, chefe da infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Apesar da nova alta de casos, os números de óbitos permanecem estáveis, em cerca de 120 por dia na média de 7 dias, uma vez que mais de 67% da população está vacinada com duas doses ou vacina de dose única. Em comparação, no pico da pandemia, o Brasil chegou a ter média superior a 3 mil mortes por dia.
OUTROS AFASTAMENTOS
Diante da escassez de testes e com um “risco real de desabastecimento” de insumos, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) recomendou que seja priorizada a testagem de Covid-19 para pacientes com maior gravidade dos sintomas e outros grupos determinados.
Hospitais, como a Rede D’Or’, anunciaram que não vão mais testar pacientes em bom estado geral devido à limitação no mercado nacional de insumos para testes de PCR e antígeno para Covid-19.
Sem testes, muitos trabalhadores têm ficado afastados do trabalho por um período de até 14 dias depois que são contaminados com a Covid-19 ou que têm contato com pessoas infectadas, o afeta diversos setores da economia.
O Sindilojas-SP, representante dos empresários do comércio da capital paulista, apurou um aumento de 200% no número de consultas feitas pelos empresários ao departamento jurídico da entidade relacionadas a atestados médicos e afastamento de funcionários nas duas primeiras semanas de janeiro em relação a todo o mês de dezembro.
Levantamento da Associação Nacional de Restaurantes (ANR) com mais de 100 empresas, principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro, apontou que 85% delas estão com trabalhadores afastados.
Também houve impacto no setor aéreo, com companhias como Azul e Latam sendo obrigadas a cancelar voos pela ausência de funcionários, o que resultou em longas filas em alguns aeroportos.
Para tentar aliviar o impacto sobre as empresas, o Ministério da Saúde anunciou nesta semana uma redução no período de quarentena de 10 para 7 dias no caso de pacientes assintomáticos.
“Temos observado que os afastamentos têm sido por curtos prazos. Agora, em torno de sete dias já o suficiente para que esses colaboradores estejam de volta, caso não haja nenhuma complicação decorrente das doenças. A vacinação em massa da imensa maioria das pessoas é o que tem possibilitado essa diminuição nos gaps”, disse Fernando Blower, diretor-executivo da ANR.
VOLTA DAS RESTRIÇÕES
Depois que o avanço da vacinação significou um período de baixo número de casos de Covid-19 no Brasil nos últimos meses do ano passado, a chegada da Ômicron mudou o panorama, o que forçou muitas cidades e Estados a reverterem flexibilizações de medidas de restrição e cancelarem eventos tradicionais, como as festas de Réveillon e de Carnaval.
No Rio de Janeiro, a tradicional queima de fogos em Copacabana aconteceu com público reduzido e a prefeitura cancelou o Carnaval de rua na cidade. Em São Paulo, o Réveillon na Avenida Paulista, com seus shows para milhares de pessoas, não ocorreu e a prefeitura também cancelou pelo segundo ano seguido o Carnaval de rua, que tem crescido nos últimos anos na capital paulista.
Os desfiles das escolas de samba tanto no Rio quanto em São Paulo estão confirmados por ora, mas as duas cidades já discutem a possibilidade de uma reversão.
Na Bahia, o governador anunciou que não haverá Carnaval no Estado neste ano e, na capital baiana, Salvador, a lavagem da escadaria da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, um dos principais eventos do calendário turístico da cidade, acontecerá de forma virtual.
Em Pernambuco, dois dos mais tradicionais Carnavais de rua do Brasil – de Recife e Olinda – também foram suspensos ou cancelados por causa da alta do número de casos de Covid-19 provocada pela Ômicron, assim como aconteceu também em diversas capitais e grandes cidades do país, incluindo Santos, no litoral paulista, que decidiu não realizar o desfile de escolas de samba na cidade.