Esse ano, o poeta e dramaturgo alemão, Bertolt Brecht, se estivesse vivo, completaria 123 anos. Mais de um século depois, seu poema “Analfabeto Político” continua fazendo sentido. “O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política”.
Em 1898 nascia, na Alemanha, aquele que seria um dos maiores poetas e dramaturgos do século XX: Bertolt Brecht. Sempre com uma objetiva e ácida crítica política, aliado ao marxismo e ao anarquismo, Brecht expôs em suas peças e poemas problemas que continuam atuais, mesmo quase um século depois.
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”
Bertolt Brecht
O conceito dado para “analfabeto político” no pequeno texto do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, estabelecendo uma relação entre esse e a árdua defesa que Sócrates, filósofo grego, faz acerca do conhecimento; ou seja, para Sócrates, que concebia seu método como “maiêutico” (arte de fazer o parto), que postulava “parir ideias”, a tarefa do filósofo seria a de fazer com que o outro indivíduo através da discussão no diálogo, da dialética, pudesse dar luz às “próprias ideias”.
O pragmático texto do dramaturgo e poeta alemão, Bertold Brecht, mostra-nos que não buscar conexão intelectual com a política é algo execrável, uma vez que dessa tudo depende. A política é, a priori, uma ferramenta de conciliação entre nações e um mecanismo que busca o bem do povo. Contudo, a posteriori, o tempo vislumbrou que essa é usada para a guerra e para bem próprio de quem governa. Torna-se nítido, pois, a necessidade de se manter ativo dentro do sistema político para, então, lutar pelos interesses da camada popular e dos cidadãos no geral. Ao se desvirtuar desse âmbito, prejudicamos não só a nós mesmos, mas toda a sociedade. O homem é um animal político por natureza, como evidenciou Aristóteles.
Com isso em mente, buscar o conhecimento, por meio do diálogo – defendido por Sócrates, pela fiscalização constante dos meios de notícias locais e internacionais, e pelo estudo teórico, é essencial para a vida em sociedade, pois “conhecer é em si só um poder”, assim postulou Francis Bacon.
No entanto, existem pessoas as quais não possuem legítimo acesso aos recursos intelectuais que possibilitem uma melhor compreensão teórica e, por isso, possuem precárias noções de política e, portanto, não conseguem estabelecer diálogos racionais produtivos. Essa condição, de modo infeliz, é notável no cenário brasileiro, o qual apresenta uma vasta desigualdade social, situação amplamente divulgada e pesquisada pelo recente relatório da Oxfam, no qual foi comprovado por métodos sociológicos, que seis brasileiros têm a mesma riqueza que os cem milhões mais pobres. Assim, ao deter poderio monetário, acaba-se por deter um acesso maior ao conteúdo intelectual e, por conseguinte, na linha de raciocínio de Bacon, um poder generalizado, sendo evidente o motivo pelo qual o pobre é, de modo indireto, escravizado no contexto atual.
Vislumbra-se, pois, dois cenários com relação ao termo de “analfabeto político”, aqueles que mesmo conseguindo um acesso intelectual o negligenciam e não buscam o diálogo pleno, e outros que não possuem esse acesso e, por esse motivo, não detêm a mesma vontade de praticar a política e não possuem frutos para um diálogo sincero. Convenhamos que quem trabalha e mora em situações extremamente precárias não costuma possuir uma vontade de se inserir na política ou de dialogar de modo eficaz, mesmo por que não possuirá tempo para isso – o capitalismo não a concede isso. É nesse sentido que busco evidenciar que a categorização e a generalização da noção de analfabeto político feita por Brecht são em si só ignorantes por não levarem em conta particularidades, se mostrando, então, tangentes às ideais de generalizações do evolucionismo antropológico. É posto a beira do precipício a noção aristotélica do homem como animal político, por esse, às vezes, não possuir vontade, disposição, tempo ou capacidade de se inserir nesse contexto de diálogos e formulações de conhecimentos novos em torno da política.
Ainda, é importante trazer para essa discussão a perspectiva de Descartes apresentada em sua primeira meditação, a qual foi relevante para a relativização da realidade. Nesse texto, ele discorre, entre outras coisas, que as opiniões costumeiras ocupam, de modo constante, a credulidade dos homens, e que essas são submetidas quase contra a vontade por um “demorado trato e um direito de familiaridade”. Sendo, portanto, “muito mais consentâneo com a razão nelas acreditar do que negá-las”. É nesse caminho que se torna viável a argumentação de que os homens, por força do hábito, internalizam certos preconceitos e conceitos, e ao levá-los para um diálogo, os dogmatiza, fato que acaba por inviabilizar o ato de parir ideias, pois esses não estão dispostos de negar essas opiniões por meio da racionalidade. E, ademais, não buscam uma mudança desses preceitos dogmatizados ao decorrer do tempo por ser muito mais fácil aceitá-los do que contestá-los. Isso, com toda certeza, prejudica o processo de conhecimento.
Portanto, é nítido a necessidade de participação na política e o conhecimento, a fim de lutarmos por nossos direitos, mas o capitalismo é perverso. Ao retirar os privilégios sociais – acesso à matérias intelectuais, etc. – os pobres permanecem encarcerados espiritualmente, pelo motivo de não possuírem, em grande maioria das vezes, apoio intelectual para participar de modo eficaz na política, assim, não conseguem lutar por seus direitos, mantendo-se reféns do sistema. Essa é a perversidade do capitalismo. Ademais, existe uma outra face da ignorância política, a voluntária, esses que mesmo tendo acesso a materiais intelectuais e sabendo da essencialidade do diálogo e da participação societária, ignoram-na. Não buscam o processo de autocrítica de suas convicções, muito menos diálogos produtivos, o que rende o ódio. Desse modo, enquanto o método de análise conceitual de Sócrates, a argumentação lógica e os diversos outros métodos de conhecimento existentes são desprezados – seja voluntariamente ou involuntariamente – e os discursos de ódios valorizados por uma parcela da sociedade, novas vítimas do sistema social serão formadas, pois tudo provêm de decisões políticas.
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